Cartas

Carta 8

abril | 2007

1. A China e seu Gigantismo

Muito se tem escrito sobre o impacto que a emergência da China como potência econômica tem causado no panorama global. Na nossa carta número 2 já abordamos um aspecto deste tema, como a dominância econômica na maioria das vezes esteve associada a elementos geopolíticos. Nesta carta, a China volta a ser o tema principal, mas desta vez o enfoque não está só nas consequências de sua emergência, mas sim em tentar entender a China de hoje também através da sua evolução histórica. A Grande China é composta da parte continental, além de Hong-Kong e Taiwan, mas quando falamos de China é da parte continental a que geralmente nos referimos. Ela é mesmo colossal em muitos aspectos. Com 1,3 bilhões de habitantes, cresce a taxas elevadas ,consome boa parte das commodities produzidas no mundo e suas reservas internacionais já passam de US$ 1 trilhão. Com isso, é natural que o interesse pela China por parte do ocidente seja cada vez maior. Como veremos abaixo, na verdade, o interesse do ocidente pela China já vem de longa data e o relacionamento dos chineses com o estrangeiro algumas vezes foi bastante conturbado. Mas como a China chegou no estágio atual?

 

A perspectiva histórica

A civilização chinesa teve origem nos povos que se concentraram nas bacias dos rios Amarelo e Yang Tsé próprios para o cultivo agrícola. Eram comunidades primitivas que se dedicavam à caça, pesca, coleta e cultivo de arroz. A primeira dinastia imperial foi a dinastia Shang surgida em 1600 a.c. Muitas outras se sucederam com períodos de disputas e guerras civis. As dinastias mais famosas são as últimas duas, Ming (que transferiu a capital para Pequim em 1421 d.c e construiu a Cidade Proibida, que seria o grande palácio/fortaleza do imperador) e Qing.

 

O encantamento do ocidente com a China começou bem cedo. Ainda durante a idade média mercadores europeus buscavam rotas para os produtos asiáticos exóticos que eram muito valorizados na Europa. A narrativa da viagem de Marco Pólo, mercador veneziano que viveu entre 1254 e 1324, à China ilustra bem este encantamento. Por volta do Século XV chás, porcelanas, sedas etc. eram largamente comercializados entre o oriente e o ocidente.

 

Portugal foi um dos primeiros países a estabelecer uma rota para a China. A região de Macau foi um presente aos portugueses pelo imperador Chi-Tsung como recompensa pelo apoio no combate a piratas. Após a revolução industrial no século XIX o “imperialismo” europeu, liderado pela Inglaterra, varreu o resto do mundo e a China foi uma região duramente atingida. É aí que o relacionamento entre o império chinês e o ocidente começa a ficar mais conturbado.

 

Em 1840 o imperador Qing proibiu a comercialização do ópio, produto altamente lucrativo aos ingleses. A apreensão e destruição de um enorme carregamento inglês gerou uma reação enérgica da coroa Inglesa, que ficou conhecida como a Guerra do Ópio, quando os ingleses subjugaram as forças imperiais obrigando a China a assinar o tratado de Nakim que incluía pagamento de grandes indenizações e obrigava a China a ceder Hong Kong ao controle britânico. Os conflitos continuaram entre a China e países europeus. Em meados do século XIX os Chineses eram obrigados a assinar tratados desiguais e a abrir seus portos aos estrangeiros.

 

O Império entrou em declínio definitivo no final do século XIX e na primeira década do Século XX. Com a morte da imperatriz regente, o último imperador assumiu o trono com apenas dois anos de idade e pouco tempo depois, em meio ao caos, a revolução republicana e a formação do Partido Nacionalista Kuomintang instauraram a República na China em 1911. O Partido Comunista Chinês (PCC) surgiu em 1921 e tomou influência de Marx e da Revolução Russa de 1917, mas diferentemente do modelo russo, o foco não foi os trabalhadores dos centros urbanos e sim a grande massa camponesa do interior. Devido à diferença ideológica, era óbvio que o Kuomintang e o PCC não poderiam coexistir. Derrotados pelos comunistas liderados por Mão Tse-Tung, os membros do Kuomintang fugiram para a ilha de Formosa , atual Taiwan e lá praticamente fundaram um outro país segundo um modelo capitalista.

 

Apoiado pelo PCC, em outubro de 1949 Mao Tse-Tung instaura a República Popular da China, baseado em um governo centralizado. No campo o modelo de produção eram as fazendas coletivas. A industrialização da China foi dentro do modelo stalinista, concentrado na construção de fábricas da indústria de base. O regime maoísta toma conotações fascistas com muita propaganda em torno do grande líder. Na prática foi um período violento de “caça às bruxas” em que opositores de Mao eram eliminados.

 

Com a morte de Mao em 1976, Deng Xiaoping, um dos fundadores do PCC, assume o poder. Deng fazia parte do grupo dos reformadores e na década de oitenta inicia um conjunto amplo de mudanças com o objetivo de implementar uma economia de mercado socialista. O modelo stalinista e a ideologia foram substituídos por pragmatismo. Nas palavras do próprio Deng:

 

“Planejamento e forças de mercado não são a diferença principal entre socialismo e capitalismo. Uma economia planejada não é definição de socialismo porque existe planejamento no capitalismo e a economia de mercado acontece sob o socialismo também. Planejamento e mercado são ambos caminhos para controlar a economia.”

 

O período da abertura de Deng Xiaoping foi marcado pela reaproximação com o ocidente e mesmo com o Japão que era visto como exemplo de crescimento econômico. Foi neste período que ocorreu maior abertura das cidades à mão de obra do campo e a aceitação de investimentos estrangeiros. O foco da industrialização foi a indústria leve voltada para a exportação que requeria menos investimentos do que a industria pesada. O desenvolvimento dos negócios não-estatais, inclusive com joint-ventures estrangeiras foi encorajado, e somente na década de noventa do século passado ocorreu a privatização das empresas estatais. Em 1997 o PCC anunciou o fechamento de muitas empresas estatais, mantendo completamente apenas as indústrias-chave ligadas a setores como recursos naturais, armamentos, energia, química e distribuição de grãos.

 

A China Hoje

Hoje em dia a China é um modelo econômico híbrido onde o aparato estatal tem um peso ainda bastante significativo e há ausência de liberdade política. As reformas econômicas das duas últimas décadas do século passado não foram acompanhadas de reformas políticas. Apesar da influência do PCC na vida pessoal da população ter diminuído bastante, ainda existem controles importantes, como o monopólio da imprensa, os filtros na internet que limitam os websites que os chineses podem acessar e a política de único filho, apesar de flexibilizada, ainda continua.

 

A estrutura de poder continua unipartidária e piramidal. O povo vota localmente representantes para o Congresso Popular Nacional (CPN). Este órgão forma a base da pirâmide e se reúne uma vez por ano para definir as diretrizes de governo. O CPN por sua vez elege o Comitê Central que, por sua vez, elege o Politburo que é o verdadeiro núcleo do poder formado atualmente por nove membros, incluindo o presidente (secretário geral do PCC) Hu Jintao e o primeiro ministro Wen Jiabao.

 

A legitimidade do poder do PCC está no crescimento econômico acelerado. Na verdade parece que o PCC justifica seu poder autoritário na manutenção da estabilidade social para atingir o crescimento econômico, mas na prática o crescimento econômico mantém a estabilidade social. O Partido comunista tem aproximadamente 70 milhões de membros configurando-se como o maior partido político do mundo. O forte autoritarismo do governo permite que as medidas econômicas sejam implementadas rapidamente.

 

O processo de abertura e reforma econômica de Deng Xioping foi muito bem sucedido. Houve a migração maciça de mão de obra barata camponesa para as cidades da costa para trabalhar em zonas exportadoras. Devido aos controles do governo, esta migração tem ocorrido de maneira ordenada. A urbanização também é acelerada. Com esta migração campo-cidade, a produtividade da mão de obra aumentou bastante. Cálculos do Federal Reserve, o banco central americano, estimam que de 1990 a 2005 a produtividade do trabalhador chinês cresceu a uma taxa impressionante de 9% a.a. As empresas estatais hoje em dia respondem por menos de um terço do PIB enquanto que no início da década de oitenta, elas representavam a totalidade do PIB.

 

A entrada da China, na Organização Mundial de Comércio (OMC) no final de 2001 foi um marco econômico na história recente da China, já que o país teve que se comprometer em reduzir barreiras tarifárias e não tarifárias, além de ter que se submeter às diretrizes da instituição que são notadamente “market-friendly”, como por exemplo a possibilidade de bancos estrangeiros atuarem no mercado chinês que entra em vigor neste ano de 2007.

 

Mais recentemente as grandes empresas ocidentais instalam processos de produção na China, barateando seus custos e tornado este país a grande fábrica do mundo. Por exemplo, estima-se que mais de 90% dos mp3 players sejam fabricados na China. A China vem cada vez mais produzindo bens de mais alto valor agregado. Um exemplo disto é a indústria automobilística. Antigamente, os carros chineses eram cópias dos modelos das gigantes Wolksvagen, GM, Toyota etc. Hoje, empresas chinesas como Chery, Great Wall e Geely fabricam seus próprios modelos inclusive com tecnologia híbrida de consumo de energia. Estas empresas estão se concentrando em modelos baratos para conquistar mercados, exportando para alguns mercados emergentes, mas ambicionam exportar para os mercados desenvolvidos no futuro.

 

Paralelamente, o governo vem procurando estimular o desenvolvimento do mercado de capitais. Recentemente muitas firmas foram listadas, inclusive os bancos que foram capitalizados pelo governo e tiveram dificuldades com créditos podres oriundos de financiamento de projetos pouco lucrativos. Ainda hoje, a metade do crédito concedido pelos bancos é fornecida para as empresas estatais. Existem 3 tipos de ações listadas de empresas chinesas. Nas ações A e B listadas nas bolsas de Shangai e Shenzen e cotadas na moeda local, o yuan, há restrições aos investidores estrangeiros. E ainda as ações H, que são listadas em Hong-Kong cotadas em dólar de Hong Kong. Em 2006 a bolsa de Shangai subiu 138,26% em dólar e a bolsa de Shenzen subiu 104,23%. Atualmente os analistas de mercado discutem se as ações chinesas estão passando por uma bolha, ou seja, se os preços estão subindo muito rápido, descolados dos fundamentos das empresas.

 

Mas nem tudo são flores. A China ainda tem muitos problemas a enfrentar: fortalecimento do sistema financeiro, falta de sistema de proteção social, corrupção, alta poluição, desigualdade social e regional que são questões potencialmente desestabilizadoras.

 

A política monetária do BC chinês não segue o receituário atual de metas de inflação onde o BC ajusta a taxa de juros de curto prazo para atingir uma meta numérica de inflação. Isto por que a taxa de juros curta ainda tem pouco impacto na economia devido à pouca profundidade do sistema financeiro, isto é, pela ausência de um mecanismo de transmissão da política monetária. Os instrumentos de controle monetário mais eficazes são os controles administrativos à expansão de investimentos ou o aumento de depósitos compulsórios dos bancos para controlar a capacidade destes de dar crédito.

 

A próxima fase é construir uma classe média, uma classe de consumidores em larga escala. O Governo vêm tomando medidas para estimular o consumo doméstico. O PCC sabe que sua sobrevivência depende da melhoria da vida da população chinesa e nesse sentido, precisa criar um sistema eficiente de seguridade social e diminuir as desigualdades regionais e de riqueza. Alta poupança da população reflete a poupança precaucional devido à falta de uma rede de seguridade social. Outro problema em regimes autoritários é a disseminação da corrupção. O partido deve intensificar o combate à corrupção e más práticas de governança para evitar que sua imagem se deteriore frente à população.

 

O survey sobre a China da Economist Intelligence Unit traça três possíveis trajetórias para a China daqui a 20 anos:

(1) Uma economia que continua crescendo forte com um sistema político que gradualmente se torna mais liberal.

(2) Uma economia de rápido crescimento com um aumento de um nacionalismo vingativo e uma tentativa de diminuir o poder dos EUA na Ásia, retomar Taiwan e ameaçar o Japão.

(3) Um País em desarranjo, em crise social e política em meio a decadência da atividade econômica.

 

O estudo conclui que a alternativa que prevalecerá depende basicamente das escolhas da própria China e de outras potências, principalmente dos EUA.

 

Algumas Questões Atuais Importantes

No início de 2007, uma delegação dos principais líderes de assuntos estratégicos americanos, inclusive o presidente do FED Ben Bernanke, foi a Pequim e inaugurou o que ficou conhecido como ”diálogo econômico estratégico”, cuja a idéia é ser um encontro semestral.

 

Dentre estes assuntos estratégicos está o vultuoso superávit da balança comercial chinesa que desperta tensões em todo o mundo, particularmente nos EUA, que é um dos principais importadores das manufaturas chinesas. Recentemente os EUA entraram com processos contra a China na OMC argumentando contra a falta de política de proteção contra a pirataria em sua forte indústria do entretenimento. O saldo comercial da China acumulado já passa de 200 bilhões de dólares e o déficit da balança americana com a China é quase um terço do déficit americano total.

 

Mais sério ainda é o acúmulo de reservas em dólares no Banco Central chinês, que já passa de 1 trilhão de dólares, aplicadas principalmente em títulos do tesouro americano. Para manter sua moeda competitivamente depreciada subsidiando as firmas exportadoras, o BC chinês compra dólares e esteriliza boa parte desta liquidez lançando títulos no mercado doméstico. Estes recursos em dólar são aplicados principalmente em títulos do governo americano. Mas o governo chinês anunciou a criação de uma agência especial para investir estes recursos de maneira mais eficiente segundo as necessidades chinesas. Este fundo poderia incluir a compra de ações, commodities e diminuição de recursos em dólar. O mercado teme que a queda na demanda pelos papéis americanos leve a um aumento da taxa de juros e afete a economia americana.

 

Outra preocupação é o aumento dos gastos militares chineses. O porta-voz do Congresso Popular Nacional anunciou que neste ano de 2007 estes gastos serão aumentados em 17,8%. Em março, o EUA mostrou-se preocupado com “militarização” na China se referindo ao lançamento de um míssil em Janeiro passado para destruir um satélite meteorológico obsoleto. Esse tipo de preocupação mostra o aumento da importância da China no cenário geopolítico, assunto que já foi abordado na referida Carta 2, e que ficou claro no episódio do teste com mísseis da Coréia do Norte no final do ano passado.

 

Eventos recentes no mercado financeiro têm ressaltado a importância da China. Em 27 de fevereiro deste ano, os principais índices de ações chinesas caíram quase 10% em um dia, contaminando os demais mercados asiáticos e que se reverberou no dia seguinte nos demais mercados emergentes e desenvolvidos. Além disso, no dia 19 de abril um relatório do governo indicando crescimento do PIB em 11,1% e taxa de inflação de 3,3% em 12 meses foi muito mal recebido nos mercados porque gerou um medo de que as medidas para frear o crescimento fossem intensificadas.

 

A partir do segundo semestre deste ano, os olhos do mundo se voltarão mais ainda para a China já que teremos o congresso qüinqüenal do PCC, evento que define as diretrizes do país de médio-longo prazos. E em 2008 teremos os jogos olímpicos em Pequim, evento onde a China terá uma grande oportunidade de mostrar ao mundo a sua evolução.

 

Considerações Finais

A configuração da China atualmente é fruto de intensos conflitos ideológicos internos e externos. É um país que vem mudando rapidamente nos últimos 20 anos. Após essa retrospectiva da história relativamente recente do século XX é impossível não se perguntar o quanto as marcas destes conturbados eventos permanecem no pisquê do povo chinês principalmente, na maneira como a liderança do PCC vai movimentar as questões espinhosas no relacionamento com o ocidente que agora se colocam.

 

Por outro lado, a China se inseriu muito bem no contexto da globalização. Da nossa exposição anterior fica bastante claro que o desenvolvimento e crescimento do país não funcionaria sem o grande fluxo de bens e capitais. Hoje a China cresce aceleradamente com a ajuda do capital estrangeiro via investimentos diretos, do comércio exterior e dos investimentos em infra-estrutura (geração de energia e transportes). Ameaças à globalização, como por exemplo, medidas protecionistas, atingiriam a China e os benefícios que ela trás ao mundo.

 

Estudando a situação da China, no tocante à atração de investimentos, o forte crescimento econômico e o potencial de uma classe média consumidora e bem educada, pelo menos até hoje, vem superando os problemas como a falta de respeito à propriedade intelectual, grande burocracia, fragilidade do sistema financeiro e incerteza político-jurídica. Mas as grandes perguntas que ficam são o quão sustentável é este crescimento e como a trajetória da China influenciará o seu relacionamento com os outros países no futuro.

2. Diversificação x Concentração

“Conhece-te a ti mesmo”
(inscrição gravada no Templo de Delfos, revelada por Sócrates em Protágoras, de Platão, 380 a.c.)

Que percentual de diversificação devem ter os meus investimentos? O quão concentrado em poucos ativos deve ser o meu portfolio? Estas são perguntas que devem sempre estar na cabeça de qualquer investidor e só serão respondidas à medida que formos conhecendo as necessidades e interesses pessoais que movem nossos atos diários.

A maioria das grandes fortunas foi construída através da concentração do investimento em um só grande ativo, desde Andrew Carnegie e John D. Rockefeller, até os hoje bilionários Bill Gates e os proprietários do Google, Larry Page e Sergey Brin. Em qualquer lista da Forbes ou similar com as pessoas mais ricas, independente do período, segmento ou localização geográfica, é muito fácil identificar em cada milionário ou bilionário o setor em que sua riqueza está concentrada.

Mas a concentração é apenas uma variável entre muitas outras que originaram esta riqueza. A acumulação de fortunas é o resultado da conjugação também de outros fatores como visão, persistência, oportunismo, sorte, trabalho, expertise, entre outros. É muito alta a chance de se concentrar investimentos e esforços e não se atingir o objetivo, pela falta de algum destes outros fatores ou pelo simples fato de que o imponderável existe. Neste “beauty contest” de nossas vidas, só aparecem para contar a história os vencedores. A verdade é que para alguns acertarem, muitos outros falharam. As estatísticas mostram que esta é a regra da vida em qualquer setor.

Da mesma forma que a concentração ajuda a construir fortunas, ela pode ser a causa da destruição destas mesmas riquezas. É fato que uma das variáveis para gerar a riqueza é a concentração, mas ela não deve fazer parte do dicionário de quem deseja manter a sua fortuna no longo prazo. Como viver com este dilema? Tão difícil quanto construir estas fortunas, é estar preparado para mantê-las.

A concentração aumenta o risco e está ligada aos verbos “construir” e “destruir”. A diversificação diminui o risco e está ligada ao verbo “manter”. O importante é nos conhecermos o suficiente para conviver bem com as nossas decisões e isto só é possível se conhecermos os riscos de cada atitude nossa, para que elas possam refletir o nosso momento de vida. Cada um de nós tem que procurar o seu ponto de equilíbrio entre o quanto se quer aumentar a sua fortuna e o quanto se deseja preservar o que já foi conquistado, sempre ponderando como nossas necessidades e interesses pessoais interferem nesta decisão.

Concentrar e ter sucesso depende da conjugação de vários fatores, como vimos acima. Mas como é diversificar de maneira eficiente? Eficiência é definida como maximização do output em relação a um dado input ou minimização do input em relação a um output inicial. Em investimentos isto se traduz em maximização da rentabilidade dado um nível de risco que se queira correr ou minimização dos riscos dado uma expectativa de retorno que se queira alcançar. Reduzir risco basicamente significa reduzir a volatilidade do portfolio, ou seja, alcançar uma rentabilidade mais estável ao longo do tempo. A diversificação eficiente possibilita a conjugação de diferentes ativos de diferentes níveis de risco com o objetivo de obter retornos menos voláteis. Isto é possível desde que estes ativos sejam pouco correlacionados, ou seja, tenham expectativas de retorno diferentes entre eles. Entender o seu perfil de risco pessoal e selecionar os melhores ativos de acordo com este perfil é o maior desafio de cada investidor.

Uma vez resolvido o problema da identificação do perfil pessoal e da definição dos objetivos, surge a questão de como executar as tarefas para melhor atingir estas metas. Nesse sentido, a evolução dos mercados financeiros abriu novas oportunidades e, ao mesmo tempo, trouxe complexidade a essa questão. Hoje em dia a gama de produtos oferecidos é grande. Tanto assim, que mesmo a distinção clássica entre renda-fixa e renda-variável parece anacrônica dadas as especificidades dos novos produtos.

Existem diferentes formas de diversificar além de classes de ativos como ações e bônus. Podemos citar a diversificação em moedas que se faz necessária ante a perspectiva de depreciação do dólar no médio-longo prazo. A evolução dos mercados emergentes e a integração de novos mercados ampliam as possibilidades de diversificação geográfica.

O surgimento dos alternatives investments, basicamente hedge-funds e private equity abre mais espaço neste sentido, pois ainda coloca as possibilidades de diversificação em tipos de estratégias e, mesmo dentro das estratégias, pode-se encontrar gestores com diferentes estilos, explorando diferentes nichos. Os private equities ainda permitem a diversificação quanto ao prazo de retorno do investimento. Em geral o compromisso com esse tipo de estratégia envolve muitos anos necessários para que os projetos possam maturar e gerar dividendos. Em compensação, a expectativa de retorno pode ser amplificada.

Enfim, o processo de alocação e gestão de carteiras ficou muito mais especializado, até porque o número de gestores (os melhores, independentes, já não estão vinculados aos bancos), vem aumentando muito em todo mundo. Aqui vale a pena fazer a distinção entre alocação e gestão. O alocador é o profissional responsável, junto com o investidor, pela seleção dos gestores para aplicação dos recursos, levando em consideração as expectativas de retorno e risco e também do perfil e necessidades de seu cliente. Já o gestor é o profissional responsável por executar os investimentos empregando determinado tipo de estratégia com o objetivo de produzir os retornos esperados pelo alocador.

Na estratégia de diversificação, para a maioria, investir em ativos com os quais não estão familiarizados parece aumentar o risco, ao invés de o diminuir - em geral as pessoas vêem o que já conhecem como menos arriscado. Mas a realidade é outra, a diversificação é fundamental para diminuição do risco total e para isto precisamos nos dedicar no sentido de descobrir novos investimentos. Neste sentido, o papel do alocador profissional, independente e imparcial, com os seus objetivos alinhados com os do cliente, é fundamental, para que a seleção de bons gestores de fato tenha a capacidade de gerar retornos consistentes com a expectativa do investidor frente aos riscos que ele deseja tomar.

Mas em que momento estamos de nossas vidas? O de construção ou o de manutenção? Porque não ter como objetivo aproveitar as oportunidades - construir, sem correr riscos desnecessários - manter o que já foi conquistado? Por que não separar uma parte do capital para concentração, visando crescimento e maior enriquecimento e outra parte para diversificação, visando no mínimo manutenção do status quo e do poder de compra? Que percentual de nosso patrimônio devemos dedicar a cada uma destas duas estratégias? Isto vai depender fundamentalmente do nosso momento de vida e do nosso entendimento do que realmente queremos e de onde queremos chegar. “Conhece-te a ti mesmo”, no pensamento de Sócrates, significa consciência racional de si mesmo, para organizar racionalmente a vida. O que é realmente importante para nós e para nossas famílias? Este conhecimento é fundamental na busca do equilíbrio para descobrir-se o maior grau de satisfação que a fortuna pode proporcionar.

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