Cartas

Carta 21

junho | 2014

1. Filosofia de Investimento: Howard Marks – The Most Important Thing

Nossa carta atual é sobre filosofia de investimento. Mais especificamente vamos escrever sobre um conjunto de obras escritas por Howard Marks, Chairman da Oaktree Capital Management. Mais que um investidor, ele é um pensador do mundo dos investimentos.

 

Decidimos escrever sobre os escritos de Howard Marks porque são fonte de inspiração para nós e compartilhamos muitas das ideias abordadas, especialmente o foco na preservação de capital e na gestão de risco. De fato o primeiro pilar da filosofia de investimento da Oaktree é a primazia do controle de risco, resumida na frase “Se evitarmos os (investimentos) perdedores, os (investimentos) vencedores cuidarão de si mesmos.1”

 

Primeiramente vamos apresentar Howard Marks ao leitor. Howard é Chairman e um dos fundadores da Oaktree, uma empresa de investimentos especializada em mercados alternativos e menos eficientes como dívida corporativa (High Yield, Senior Loans e Mezzanine Finance), dívida conversível, distressed debt e investimentos imobiliários. Atualmente, a Oaktree tem aproximadamente US$ 80 bilhões sob gestão, na sua maioria de investidores institucionais.

 

Há 24 anos Howard Marks escreve cartas denominadas “Memos from our Chairman” para seus clientes, abrangendo tópicos de filosofia de investimento e sua visão sobre os mercados no momento. Em 2011 ele publicou um livro chamado “The Most Important Thing”. Recomendamos fortemente a leitura deste livro para qualquer um que se interesse pelo assunto de gestão de recursos. No capitulo de introdução ele afirma que a essência do livro está em idéias e questões já abordadas nos Memos passados.

 

O texto a seguir se baseia no livro e nos Memos do Howard Marks(mais detalhes das fontes estão disponíveis no Apêndice). Nossa ideia é abordar alguns dos temas desenvolvidos pelo investidor, aqueles que julgamos serem os mais inspiradores. Escolhemos nos concentrar em gestão de risco, atenção aos ciclos e “O Pêndulo”.

 

Gestão de Risco

O que é risco? A disciplina de Finanças, como tradicionalmente ensinada no meio acadêmico, equivale risco à volatilidade, ou seja, o desvio padrão de retornos. Risco é um assunto muito mais complexo que isso, e extremamente difícil de quantificar em uma única medida. Marks acredita que os investidores estão preocupados mesmo é com perdas de principal, entendendo assim a melhor maneira de pensar risco como a possibilidade de perda permanente de capital. Nisto ele se alinha bastante com a escola de Value Investing e o foco na diferença entre Preço e Valor, e a rejeição de volatilidade como uma medida de risco, não distinguindo assim risco e retorno como conceitos completamente dissociados.

 

No seu livro, elaborando sobre o tópico de risco, Marks cita uma frase de Elroy Dimson: “Risco significa que mais coisas podem acontecer do que de fato acontecerão.” Essa frase ilustra bem o conceito de que probabilidade é diferente de resultado (entendido como evento no jargão da teoria de probabilidade).

 

O fato de risco significar que há cenários alternativos que podem ocorrer, mas que somente um deles vai se materializar, resulta num corolário importante que passa despercebido pela maioria das pessoas: Não se consegue julgar a qualidade de uma decisão apenas pelo seu resultado. “O retorno apenas - e especialmente retorno em períodos curtos de tempo - nos diz muito pouco sobre a qualidade das decisões de investimento.”

 

Abaixo um trecho do Memo “Risk” de 2006:

“Quando os mercados estão em expansão, os melhores resultados muitas vezes vão para aqueles que tomam o maior risco. Estes investidores foram inteligentes em antecipar os bons tempos e aumentar seu beta (exposição direcional), ou são apenas pessoas congenitamente agressivas que foram socorridas pelos acontecimentos?”

 

Marks assinala que há outras formas de risco para o investidor, como o risco de ficar aquém de seus objetivos de longo prazo, o que pode fazer um mesmo investimento parecer arriscado para um tipo de investidor e seguro para outro. Tambem há o risco de underperformance, de obter retornos aquém de um determinado benchmark. Nesse tópico Howard faz o seguinte comentário no mesmo Memo:

 

“Muitos dos melhores investidores se mantém fortemente fieis as suas estratégias de investimento – e como nenhuma estratégia vai funcionar o tempo todo – os melhores investidores podem ter alguns dos maiores períodos de underperformance. Especificamente, em momentos difíceis, investidores disciplinados irão voluntariamente aceitar o risco de não assumir riscos suficientes para acompanhar os mercados.”

 

Marks enfatiza muito a psicologia quando pensa sobre risco, e delineia essa relação na seguinte frase do Memo de 2009 intitulado “So Much that is false and nutty”: “Poucas coisas são tão arriscadas quanto a crença generalizada de que não há risco, porque é somente quando investidores estão adequadamente avessos ao risco que os retornos irão incorporar os prêmios de risco2 apropriados.” Esse é o núcleo do conceito de Ganância e Medo, e nos faz lembrar a famosa frase de Warren Buffet, que o próprio Howard menciona com frequência: “Com quanto menos prudência os outros conduzirem seus negócios, maior a prudência com a qual devemos conduzir os nossos.”

 

Essa dinâmica levou Howard a desenvolver o conceito da Perversidade do Risco, explicada pela seguinte frase tirada do seu livro: “O aumento da confiança (do investidor) cria mais (risco) com o que ele deveria se preocupar, assim como o aumento do medo e aversão ao risco combinam para ampliar os prêmios de risco ao mesmo tempo diminuindo o risco (entendido como possibilidade de perda permanente). Eu chamo isso de Perversidade do Risco.”

 

Nesta discussão sobre gestão de risco, no Memo “No different this time” de 2007 Howard escreveu: “A maioria das pessoas enxerga a tomada de risco como uma maneira de ganhar dinheiro. Tomar mais risco geralmente produz maiores retornos... Porém isso não pode ser sempre verdadeiro, caso contrario, investimentos de risco não seriam arriscados. E quando tomar risco não funciona, não funciona mesmo e as pessoas são lembradas do que realmente é risco.”

 

Como mencionamos no começo, controle de risco é o primeiro pilar de uma boa filosofia de gestão de recursos, e Howard compartilha da visão de que os melhores investidores são aqueles que tomam riscos menores do que seus retornos justificariam. Infelizmente as pessoas tendem a focar em retornos nominais e não retornos ajustados pelo risco, especialmente em bull markets (mercados em alta).

 

Howard expressa sua opinião: “Um investidor excelente pode ser aquele que, ao invés de reportar retornos maiores que os outros, atinge os mesmos retornos mas com menos risco (ou até mesmo alcança retornos um pouco menores mas com muito menos risco). Mas é claro que quando os mercados estão estáveis ou em alta não conseguimos descobrir quanto risco de fato havia num portfólio.”

 

Finalmente, na discussão de risco versus retorno Howard Marks enfatiza que não devemos confundir gestão de risco com evitação de risco. Evitar totalmente riscos significa obter apenas os baixíssimos retornos que os ativos livres de risco oferecem.

 

Ciclos e “O Pêndulo”

No seu livro, Howard diz que sobre investimentos há poucas certezas, mas existem duas regras na qual ele confia:

- Regra 1: A maioria das coisas provarão serem cíclicas.

- Regra 2: Algumas das maiores oportunidades para ganhos e perdas aparecem quando os outros se esquecem da Regra 1.

 

Na visão do Howard isso acontece porque os mercados são compostos por seres humanos: “Processos em campos como história e economia envolvem pessoas, e quando pessoas estão envolvidas, os resultados são variáveis e cíclicos.”

 

No Memo “You Can´t Predict. You Can Prepare.” Howard escreveu:

“Ciclos são autocorrigíveis e sua reversão não depende necessariamente de eventos exógenos. Eles revertem porque tendências criam razões para sua própria reversão. Então eu gosto de dizer que o sucesso carrega consigo as sementes do fracasso, e o fracasso as sementes do sucesso.”

 

Neste Memo Marks ilustra esse conceito com seu ciclo preferido, o poderoso ciclo de crédito. Neste, um período próspero resulta em menor aversão ao risco pelos credores que vão aos poucos afrouxando seus padrões para a concessão de crédito e acabam por fazer empréstimos que podem terminar em destruição de capital. Quando isso acontece a tendência é revertida. Frente a perdas, credores se inibem, ficam mais avessos ao risco, padrões de crédito se tornam mais rígidos, empresas não são capazes de rolar dividas e o calote aumenta, reforçando a contração econômica. Em seguida, o processo está pronto para recomeçar porque há menos concorrência para emprestar capital e altos retornos são exigidos.

 

Essa descrição casa perfeitamente com os anos de 2006 a 2008, o que levou a crise financeira global, e é interessante notar que foi escrito em 2001.

 

Outro exemplo da ocorrência de ciclos é quando investidores sobrevalorizam empresas que estão indo bem e subvalorizam estas mesmas empresas quando estão enfrentando dificuldades.

 

O conceito dos ciclos nos leva a rejeição da noção de que dessa vez é diferente.

 

De acordo com Marks: “Ignorar ciclos e extrapolar tendências é uma das coisas mais perigosas que um investidor pode fazer. As pessoas frequentemente agem como se as empresas que estão indo bem continuarão a ir bem para sempre e investimentos que estão outperformando continuarão a outperformar para sempre, e vice-versa. Contudo, o contrario que é mais o provável.”

 

Outro conceito importante relacionado aos ciclos é a oscilação do humor dos investidores, a qual Howard faz analogia ao movimento de um pêndulo. Ele escreveu essa ideia num Memo de 2011 chamado “First Quarter Performance”. A carta começa assim:

 

“Os humores e oscilações dos mercados se parecem com o movimento de um pêndulo. Embora o ponto central do arco melhor descreva a localização “média” do pêndulo, na realidade ele passa muito pouco do tempo nessa posição. Em vez disso, ele está quase sempre se aproximando ou se afastando dos extremos do seu arco. Mas sempre que o pêndulo esta próximo de um dos extremos é inevitável que cedo ou tarde ele vá se movimentar de volta na direção do centro. Na verdade é o próprio movimento em direção a um extremo que fornece a energia para o movimento na direção oposta.”

 

Neste Memo Howard explica que um dos seus melhores trimestres na TCW (empresa em que ele trabalhou antes de fundar a Oaktree) foi o ultimo trimestre de 1990 quando o humor mundial se moveu de pessimismo extremo para um ponto mais razoável. Ou seja, um ponto na trajetória do pêndulo mais próximo do centro.

 

Marks enfatiza as mudanças das atitudes dos investidores em relação ao risco como uma das forças mais importantes cujo comportamento se aproxima de um pêndulo: ganância vs. medo, otimismo vs. pessimismo, agressividade vs. prudência, etc.

 

Por exemplo, num dos extremos: “Em crashes [...] o excesso de aversão a risco impede que eles (investidores) comprem mesmo quando não há otimismo - somente pessimismo, embutido nos preços e os valuations estão absurdamente baixos.”

 

“Quando as coisas estão indo bem e preços altos, investidores correm para comprar, esquecendo toda a prudência. Então, quando o caos se dissemina e os ativos estão em preços de liquidação, eles perdem toda a vontade de assumir riscos e correm para vender. E assim sempre será.”

 

Esse movimento pendular é muito importante, mas na prática nunca sabemos quão distante ele vai se afastar do centro nem quando ele vai reverter.

 

Na nossa opinião, um exemplo recente do Pêndulo foi a percepção de investidores com mercados emergentes. Há alguns anos investidores estavam se atropelando para comprar ativos e ter exposição aos mercados emergentes tidos como o motor de crescimento do mundo, com menos dívida e taxas maiores de crescimento do que os mercados desenvolvidos. A China estava passando por um período de forte expansão, assim como a sua demanda por commodities. Nessa altura estávamos lendo artigos Malthusianos sobre a escassez e esgotamento de recursos naturais no mundo, e mercados emergentes atraíram muito capital. Se lembram do conceito “decoupling3”? Pois agora temos a percepção quase inversa. As forcas cíclicas estão se pronunciando e a China está desacelerando e com isso os preços das commodities se estabilizaram ou caíram, e alguns  emergentes acumularam mais divida. Enquanto isso os mercados desenvolvidos ganharam tração, aparecendo no horizonte o fim das taxas próximas a zero nos EUA e Inglaterra. Agora os investidores estão muito mais ariscos com relação a investimentos nos mercados emergentes.

 

Os estágios dos mercados Bull e Bear

Podemos ver que o Howard enfatiza muito a psicologia e sentimento. Num Memo recente de 2013 chamado “The Outlook for Equities” ele reafirma que há três estagios para bull e bear markets.

Os três estágios do bull market:

- Primeiro, quando poucos visionários acreditam que as coisas vao melhorar.

- Segundo, quando a maioria dos investidores percebem que melhorias estão em curso.

- Terceiro, quando todo mundo tem certeza que tudo sempre vai melhorar.

Os três estágios do bear market:

- Primeiro, quando alguns investidores prudentes reconhecem que a despeito do otimismo a situação nem sempre será tão boa.

- Segundo, quando a maioria dos investidores reconhece que as coisas estão se deteriorando.

- Terceiro, quando todo mundo esta convencido que só pode piorar.

 

Em 2013 ele tinha a opinião de que estávamos no segundo estagio do bull market. E depois de listar os prós e contras de investir em ações ele concluiu: “Assim, estou bem confortável em imaginar alguns anos de retornos que proporcionarão uma agradável surpresa em relação ao que acredito ser a expectativa predominante de 6% ou mais por ano.”

 

Avançando para o segundo trimestre de 2014, quando estaremos publicando esta carta, esse comentário está se provando ser verdadeiro. De qualquer forma, isso foi uma opinião baseada nas condições da época e não uma previsão.

 

Você não pode prever. Você pode se preparar

Howard Marks é cético quando se trata de previsões. De sua perspectiva o que é importante é entender o presente, tirando o pulso dos mercados e agir em conformidade com isto. Como mencionado anteriormente, o título de um de seus Memos é “You Can´t Predict. You Can Perpare.”. Mas há outro Memo chamado “It is What It Is” escrito em 2006 onde esse conceito fica ainda mais explícito.

 

“A maioria das pessoas se esforça para ajustar suas carteiras com base no que elas acham que está por vir. Ao mesmo tempo, porém, a maioria das pessoas admitiria que a visibilidade do futuro não é muito boa. É por isso que eu sugiro responder à realidade atual e suas implicações, ao contrario de esperar o futuro se esclarecer.”

 

Em outro trecho desse Memo ele diz:

“Podemos nunca saber para onde estamos indo, mas é bom termos uma boa ideia de onde estamos. Isto é, se não podemos prever o inicio, duração e fim dos ciclos, é essencial que nos esforcemos para tentar entender onde estamos no ciclo e agir de acordo.”

 

Entender o clima de investimento é fundamental. No seu livro Howard usa a palavra “inferência”. Voce observa as condições atuais e os comportamentos e infere sobre "a psique dos participantes do mercado."

 

No Memo “It is What It Is” Howard inclui uma seção capítulo entitulada “The poor´s man guide to market assessment .” O objetivo é ajudar no processo de inferência e medir a temperatura dos mercados. Recomendamos fortemente a leitura deste Memo.

 

No seu livro, Howard exemplifica isso com os anos de 2004- 2007, e descreve como os comportamentos dos investidores e a características do mercado estavam emitindo sinais para investidores perceptivos que eles deveriam reduzir sua exposição a risco e salvar-se de grandes perdas, e ao mesmo tempo se preparar para aproveitar as oportunidades que a crise traria.

 

Outro exemplo do uso desse processo de inferência aparece no final do Memo “The Race to The Bottom” escrito em fevereiro de 2007:

 

“Esse Memo pode ser resumido de forma simples: há uma corrida para o abismo acontecendo, refletindo uma redução generalizada no nível de prudência por parte dos investidores e os provedores de capital. Ninguém pode provar nesse momento que os participantes serão punidos, ou que os retornos de longo prazo não vão exceder o dos opositores. Mas esse é o padrão habitual.”

 

Uma advertência oportuna!

É interessante que num Memo mais recente, de novembro de 2013, chamado “The Race is On” Howard começa a avisar que a tomada de risco está em ascensão.

 

“Certamente a tolerância a risco tem aumentado ultimamente, e altos retornos em ativos arriscados tem encorajado mais do mesmo e mercados estão ficando mais aquecidos. O resultado final varia de setor a setor, mas eu não tenho nenhuma dúvida de que os mercados estão mais arriscados do que em qualquer outro momento desde as profundezas da crise no final de 2008 ou início de 2009, e eles estão cada vez mais assim.”

 

Apesar disso, Howard não estava recomendando sair dos mercados. Ainda que as valorizações estivessem mais altas o nível de risco também, estes ainda não estavam na zona de perigo.

 

“Eu acredito que a maioria das classes de ativo estão bem precificadas - e em muitos casos no lado mais alto do justo - mas não no nível de bolha.”

 

E perto da conclusão desse Memo ele escreve: "ao longo dos últimos 2-3 anos, o meu lema na Oaktree tem sido consistente: avançar, mas com cautela.”

 

Paciência

Uma das qualidades mais importantes de um investidor é a paciência. Nesse tópico Marks novamente cita novamente Warren Buffet e a sua famosa analogia de investimento ao beisebol. No beisebol, se o rebatedor deixar passar três bolas sem se mover, ele é eliminado. Felizmente, no mundo de investimento não é assim, embora muitas pessoas ajam como se fosse. Seja paciente e espere o “Fat Pitch4.”

 

Enfim, parece simples o que devemos fazer quando o pêndulo está em um extremo. Mas o que fazer quando o pêndulo não está num dos extremos?

 

No seu livro Howard escreveu:

“Em um ponto particular no tempo, o ambiente de investimento é dado, e não temos outra alternativa a não ser aceitá-la e investir... Ao invés de obviamente caros ou baratos, a maioria dos ativos podem parecer mais ou menos justos. Nesse caso, pode não haver grandes pechinchas para comprar ou vendas convincentes para se fazer.”

 

“Uma das melhores coisas de investir é que a única penalidade de fato é fazer investimentos perdedores. Não há nenhuma penalidade pela ausência de investimentos perdedores, apenas recompensa, é claro. E mesmo a penalidade pela falha de não ter identificado alguns investimentos vencedores é suportável.”

 

Isso nos leva à discussão sobre o que fazer quando os mercados parecem estar oferecendo retornos baixos, como avaliamos ser o caso hoje. Investidores estão sendo forçados a correr riscos maiores por causa do retorno nulo oferecido pelos ativos livres de risco, o que tem reduzido os prêmio de risco em todas a outras classes de ativos tradicionais.

 

De acordo com o Howard no Memo de 2005, “There They Go Again”, quando isso acontece o investidor pode:

Investir como se isso não fosse verdade. Não muito sábio na nossa opinião.

Investir mesmo assim, aceitando os retornos relativos mesmo que sejam baixos em termos absolutos.

Investir mesmo assim, mas focando no longo prazo e ignorando flutuações de curto prazo. Nós pensamos que este pode ser um caminho adequado, mas o investidor deve certificar- se de que pode haver perdas de curto prazo e que ele realmente tem que ter uma perspectiva de longo prazo.

 

Ter mais caixa. Nós gostamos desta abordagem por acreditar que ter caixa é uma estratégia legítima e seu retorno relativo fica maior conforme os preços dos ativos ficam mais caros, permitindo a possibilidade do investidor comprar mais barato no futuro.

 

Concentrar seus investimentos em nichos especiais e gestores especiais. Esta também é uma boa escolha, ou seja , encontrar gestores experientes e comprovados, que podem se concentrar em valor relativo, investimentos orientados a eventos, etc.

 

Mas segundo Howard o errado é tentar alcançar retornos independentemente dos riscos envolvidos.

 

Conclusão

Concluímos esta carta com uma palavra que acreditamos ser o núcleo da filosofia de investimento do Howard Marks: CONSCIÊNCIA!

Consciência da história, dos ciclos e do movimento do pêndulo.

Nós nos planejamos para estar pessoalmente com Howard Marks e trocar idéias pelos menos duas vezes ao ano. Seus Memos são leitura obrigatória para investidores. Cada vez que um novo Memo aparece em nossa caixa de entrada temos vontade de lê-lo imediatamente pelos insights que traz sobre o ambiente de investimento atual.

 

2. Casamento: afinal, há um regime de bens ideal?

Há um regime de bens ideal para nortear a relação do casal? O cônjuge sobrevivente é herdeiro em caso de falecimento do outro cônjuge, ainda que casados pelo regime da separação de bens? Como a escolha do regime de bens afeta a situação patrimonial do indivíduo em caso de divórcio ou falecimento do cônjuge? Questões como essas provavelmente passam pela cabeça daqueles que pensam em se casar, mas nem sempre são discutidas de forma sincera e completa pelo casal. Por ser um tema delicado e que envolve dinheiro, muitos acreditam que abordá-lo com o parceiro pode gerar insegurança e desconforto, e o objetivo deste artigo é mostrar, de forma sintetizada, a extrema relevância de se fazer essa análise antes do início da vida em comum.

 

Regime de bens é o conjunto de normas que disciplinam os aspectos econômicos e patrimoniais decorrentes da relação conjugal, com impacto direto na formação do patrimônio comum do casal (“Patrimônio Comum”), e, também, no patrimônio particular de cada um dos cônjuges (“Patrimônio Particular”). O Código Civil traz alguns regimes que podem ser livremente escolhidos pelos nubentes, salvo algumas exceções, dentre os quais três são os principais e mais usados: comunhão parcial de bens (“Comunhão Parcial”), separação total de bens (“Separação Total”) e comunhão universal de bens (“Comunhão Universal”). Há, ainda, determinadas situações em que o Código Civil estabelece a obrigatoriedade da adoção do regime da separação de bens, como no caso de casamento de pessoa maior de setenta anos (“Separação Obrigatória1”).

 

Importante observar que, uma vez escolhido o regime de bens que norteará a relação, o Código Civil dispõe que só é admissível sua alteração mediante autorização judicial em pedido motivado de ambos os cônjuges, apurada a procedência das razões invocadas e ressalvados os direitos de terceiros (art. 1639, §2º).

 

No regime de Comunhão Parcial, comunicam-se os bens que sobrevierem ao casal, na constância do casamento, com algumas exceções. Os bens que comporão o Patrimônio Comum dos cônjuges neste regime são, dentre outros, aqueles adquiridos na constância do casamento por título oneroso, ainda que só em nome de um dos cônjuges3.

 

O regime da Separação Total não cria Patrimônio Comum entre os cônjuges, ficando os bens sob administração exclusiva de cada um dos deles. A Comunhão Universal, por sua vez, importa a comunicação de todos os bens presentes e futuros dos cônjuges e de suas dívidas, com algumas exceções legalmente previstas4.

 

Quando os cônjuges se omitem sobre qual será o regime de bens, a lei determina que aquela relação seja disciplinada pelo regime da Comunhão Parcial. Sempre que os cônjuges desejarem optar por um regime diverso da Comunhão Parcial, deverão celebrar um pacto antenupcial, que, por lei, precisa ser feito por escritura pública.

 

Conforme se percebe, a escolha do regime de bens gera impactos diretos na formação do Patrimônio Comum do casal e, consequentemente, no Patrimônio Particular de cada cônjuge. Não há como se dizer, de forma genérica, qual é o melhor regime de bens, devendo essa análise ser feita casuisticamente, uma vez que cada relacionamento possui suas peculiaridades, e para escolher regime mais adequado para a união, o casal precisa discutir o assunto sob vários aspectos, tais como: ambos os cônjuges desenvolvem atividade profissional e possuem fonte de renda? Algum dos cônjuges atua em atividade que pode gerar riscos ao Patrimônio Comum (como, por exemplo, empresários ou diretores/conselheiros de empresas, havendo a possibilidade de responsabilização por dívidas até o nível das pessoas físicas)?

 

A diferença entre os regimes fica mais evidente quando há a partilha dos bens comuns, a chamada meação (“Meação”), que ocorre nos casos de divórcio ou morte de um dos cônjuges. No divórcio, apura-se o Patrimônio Comum do casal e cada um dos cônjuges recebe metade desse montante. Já no caso de falecimento de um dos cônjuges, após o levantamento do Patrimônio Comum, metade desses bens é entregue ao cônjuge sobrevivente, e a outra metade será partilhada entre os demais herdeiros do falecido.

 

Vale lembrar que, com o advento do atual Código Civil, o cônjuge sobrevivente passou a ser um herdeiro necessário, independente do regime de bens adotado. Dessa forma, ainda que o regime seja a Separação Total, o cônjuge sobrevivente será herdeiro do falecido, com algumas ressalvas explicadas adiante.

 

Conforme determina o art. 1.829 do Código Civil5, a sucessão, a princípio, defere-se aos descendentes em concorrência com o cônjuge sobrevivente, que, nessa situação (concorrendo com os descendentes) só não será herdeiro nos casos de casamentos regidos pela: (i) Comunhão Universal (faz sentido, uma vez que na Meação ele já recebeu metade de todo o patrimônio do falecido, incluindo bens que integram seu Patrimônio Comum e Patrimônio Particular); (ii) Separação Obrigatória (conforme explicado acima, são os casos em que o legislador entendeu por bem determinar o regime da separação de bens para o casamento de determinadas pessoas. Mantendo a coerência, o Código Civil estabelece que, nessas situações, o cônjuge sobrevivente não será herdeiro); e (iii) Comunhão Parcial, caso o falecido não deixe bens particulares (também faz sentido, visto que, caso o falecido só tenha deixado bens comuns, o cônjuge sobrevivente já recebeu metade desse patrimônio por ocasião da Meação).

 

Em outras palavras, concorrendo com descendentes do falecido, o cônjuge só será herdeiro quando for casado pelos regimes da Separação Total e da Comunhão Parcial. Quando o regime de bens é a Comunhão Parcial, majoritariamente a doutrina e jurisprudência entendem que o cônjuge só herda parcela do Patrimônio Particular, ou seja, aqueles bens em relação aos quais ele não teve direito à Meação. Ressalte-se, no entanto, que esses entendimentos, apesar de majoritários na doutrina e consolidados na jurisprudência, não são unânimes, havendo recentes (e ainda poucas) decisões em sentido diferente.

 

Vale lembrar que, independente do regime de bens adotado, cada indivíduo tem a faculdade de dispor, por testamento, de até metade de seu patrimônio a qualquer terceiro (incluindo o próprio cônjuge e os descendentes) para depois de sua morte, constituindo a outra metade a chamada legítima (que não pode ser objeto de disposição testamentária e pertencerá de pleno direito aos herdeiros necessários (os descendentes, os ascendentes e o cônjuge)). Sendo assim, o testamento é uma interessante alternativa para o indivíduo aumentar ou diminuir a parcela de bens a ser entregue a quaisquer de seus herdeiros, ou mesmo para contemplar terceiros que, pela lei, não seriam seus herdeiros.

 

Conclui-se, portanto, que a análise sobre qual é o regime de bens ideal para nortear a vida em comum do casal deve ser feita caso a caso, levando-se em conta as caraterísticas de cada relação. Este artigo trouxe algumas das regras gerais sobre o tema, existindo diversos outros aspectos a serem observados. Antes do início da vida em comum, é fortemente recomendável que o casal discuta essas questões de forma profunda e sincera, contando com assessoria jurídica de advogados especializados em direito de família e de sucessões, de forma que tudo esteja claro e não haja surpresas desagradáveis em caso de divórcio ou falecimento de um dos cônjuges.

 

 

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