Cartas

Carta 16

novembro | 2011

1. Value Investing

Nós da Rational Asset Management Company, em parceria com nossos colegas da GTI Administração de Recursos, ficamos lisonjeados ao receber o convite dos profissionais da Turim para escrever um resumo acerca da filosofia de investimento em valor (doravante também denominado através da sua forma mais amplamente conhecida - value investing). Embora value investing seja a estratégia que pauta nossa atuação profissional, vale ressaltar que o termo em si é deveras vasto e cada empresa adepta desta filosofia de investimento acaba por seguí-la com adaptações que acredita serem necessárias para maximização da sua própria equação risco-retorno.

 

A qualidade de vários artigos escritos sobre o tema é elevada e os principais conceitos envolvidos são constantemente divulgados pela literatura financeira. Portanto, optamos pela combinação de textos de nossa própria autoria com a adição de conteúdos por nós estudados que refletem, na nossa opinião, o melhor já escrito sobre o tema. De forma a evitar constantes interrupções na leitura optamos por listar ao final do artigo as fontes das quais compartilhamos as informações.

 

Em 1928, Benjamin Graham começou a lecionar um curso de análise de investimentos na Universidade de Columbia (Nova York, Estados Unidos)1. O conteúdo deste curso deu origem ao clássico “Security Analysis”, escrito por ele (Ben Graham) em co- autoria com David Dodd e publicado em 1934. Graham tornou sua filosofia ainda mais difundida com a publicação em 1949 do livro “The Intelligent Investor”. A Sociedade de Analistas de Investimentos de Nova York resumiu bem a importância de Benjamin Graham ao afirmar que ele está para o mundo de investimentos assim como Euclides para a geometria e Darwin para o estudo da evolução. Ben Graham, essencialmente, criou a disciplina de value investing e seus discípulos tornaram-se os primeiros praticantes desta filosofia de investimento.

 

Fora do âmbito acadêmico, a atividade intelectual pautada pelos princípios de value investing permaneceu robusta tendo como seu principal representante Warren Buffett. Buffett foi um dos alunos do curso de Graham em 1950, motivado pela leitura do livro “The Intelligent Investor” (há várias fontes que afirmam que Buffett leu este livro durante sua lua-de-mel). Juntamente com demais alunos do curso, Buffett estabeleceu um histórico de performance de elevado sucesso e atraiu uma audiência cada dia maior para o universo de value investing.

 

Portanto, value investing não é uma filosofia de investimento recente. É uma abordagem de fácil compreensão, calcada em bom senso e responsável pela produção de excelentes retornos financeiros por períodos mais longos do que qualquer outra filosofia concorrente. Value investing não é um conjunto de regras específicas e sim uma soma de princípios que formam uma filosofia de investimento. No entanto, mesmo diante de vasta informação comprobatória da superioridade de retornos provenientes desta filosofia, poucos investidores e gestores de recursos aderem aos princípios de value investing.

 

Algumas estimativas indicam que apenas 5% a 10% dos gestores de recursos profissionais consideram value investing como uma filosofia de investimento atraente. Abordaremos este assunto em maior profundidade mais adiante, bem como o porquê da importância do mesmo. Porém, primeiro explicaremos os princípios básicos que os value investors utilizam em suas análises e tentaremos demonstrar que, conforme Warren Buffett afirmou, não há necessidade de sermos gênios em finanças para sermos investidores de sucesso.

 

Imagine leitor, que você esteja num supermercado selecionando as compras para a semana entre os corredores e prateleiras. Na seção de carnes, você descobre que um dos seus cortes prediletos está em liquidação. Sem pestanejar, você enche o carrinho de compras com esta delicacy enquanto a mesma é oferecida por preço reduzido. Quando você retorna ao mercado na semana seguinte e observa o mesmo corte sendo vendido pelo dobro do preço, você pensa que talvez nesta semana as melhores compras possam ser peixe, frango ou carne suína. A maneira acima é a forma que a maioria das pessoas fazem compras. Esta maioria tende a olhar para praticamente tudo aquilo que adquire com um olho no valor do ativo e outro no preço que se paga pelo mesmo. Quando os preços caem, eles compram mais das coisas que eles querem e necessitam. Exceção feita ao mercado de ações.

 

No mercado de ações, há uma grande animação e até admiração pelas ações que se encontram na moda. São aquelas sobre as quais as pessoas conversam durante festas, os apresentadores de canais financeiros elogiam e as publicações nos recomendam. As pessoas acreditam que perderão uma excelente oportunidade ao não comprarem estas ações. E não estamos nos referindo somente ao investidor ocasional. Quando estas ações sobem, os analistas de Wall Street publicam relatórios otimistas recomendando a compra e quando estas mesmas ações começam a cair, estes mesmos analistas nos recomendam mantê-las quando na verdade o que eles realmente desejam recomendar é que as vendamos (recomendações de venda são consideradas algo pouco educado no universo de análise de ações em Wall Street, com exceção das situações mais extremas). A dinâmica acima faz com que as pessoas pensem que a estratégia vencedora é aquela de comprar as ações que estão subindo e vender aquelas cujos preços estejam em queda.

 

Há motivos para este padrão comportamental: Primeiro, investidores tem medo de serem deixados para trás e gostam da idéia de possuírem as ações sobre as quais todos conversam.

 

Eles (investidores) também encontram um certo conforto ao saber que muitas outras pessoas fizeram a mesma escolha. E devemos novamente mencionar que o fenômeno acima não ocorre somente com investidores amadores; o efeito manada (outra forma de nomear o descrito acima) também faz muitas vítimas no universo de gestores de recursos. Quando estes gestores compram para o portfolio de seus clientes as ações que todos estão adquirindo, dificilmente serão despedidos caso estas ações caiam; mesmo porque eles não aparentarão estar tão mal em relação aos seus concorrentes que também terão sofrido perdas. Este tipo de situação faz com que investidores sintam-se confortáveis perdendo dinheiro desde que outros investidores também estejam em situação similar.

 

Outra razão pela qual investidores, tanto amadores quanto profissionais, tornam-se vítimas de contos de fadas e seguem a manada é por ficarem muito desiludidos quando há grandes perdas em ações que possuem ou em mercados de ações nos quais atuam. Eles acabam ficando com aquela sensação ruim que os impede de adquirir ações ao mesmo tempo em que o valor dos fundos de ações componentes das suas aposentadorias está em queda. Quando as ações caem, a percepção de riqueza diminui. As notícias nos jornais e na televisão aparentam conter somente catástrofes e tragédias. Os investidores ficam com medo.

 

No entanto, comprar ações não deveria ser tão diferente de fazer compras no supermercado. Na verdade, a Internet nos transformou todos em caçadores de barganhas: Você pode comprar livros usados de lojas na Inglaterra, computadores de lojas localizadas fisicamente no Canadá e jeans em liquidação no Japão. Você realmente não precisa se preocupar onde está localizado o vendedor - você somente quer a barganha - e no mundo com cada vez menos fronteiras no qual vivemos, as lojas nas quais você compra não necessitam estar mais limitadas a uma pequena distância a ser percorrida a pé ou de carro do local onde você se encontra.

 

O mesmo vale para ações. A hora de comprar ações é quando elas estão em oferta e não quando estão precificadas de forma cara pois todos querem comprá-las. Ações de boas empresas compradas a preços atraentes são aquelas que disponibilizarão melhores retornos. Historicamente elas superaram o retorno médio do mercado e o retorno das ações mais glamourosas sobre as quais as pessoas conversam nas festas ou durante a pausa para o café no escritório.

 

A concorrente mais famosa da filosofia de value investing é conhecida como investimento em crescimento (growth stocks vs. value stocks). As ações de empresas com elevado crescimento de receitas foram sempre consideradas as mais atraentes como investimento. Porém, será que elas foram as mais lucrativas? Quando as pessoas investem em ações growth, elas estão apostando que estão investindo em empresas que possuem um produto ou serviço que está em elevada demanda e que crescerá de forma mais rápida que o restante do mercado. Investidores em crescimento tendem a comprar ações das empresas “queridinhas” do momento com elevado “sex appeal”. Estas empresas tendem a ser as melhores dentro dos seus respectivos setores da indústria e inovadoras nos seus campos de atividade, e não há nada de errado em sermos proprietários de negócios que podem crescer a ritmos elevados.

 

A falha deste tipo de abordagem de investimento reside no preço que os investidores pagam para adquirir as ações de negócios com estas características. Nenhum negócio crescerá a taxas demasiadamente elevadas por tempo indeterminado. Eventualmente, o super crescimento desacelera. Neste ínterim, investidores já terão levado os preços destas ações para níveis insustentavelmente elevados. Quando as taxas de crescimento diminuírem, o resultado poderá ser nefasto para o bem-estar financeiro dos investidores.

 

Apesar de elevada e abundante evidência histórica, há muitos acadêmicos, jornalistas e participantes do mercado financeiro que insistem em tentar comprovar que é impossível atingir performance acima da média do mercado por períodos longos de tempo. A principal base para fundamentação destes argumentos teve início com uma teoria desenvolvida há aproximadamente 50 anos e ainda significativamente popular em vários meios.

 

A publicação da tese de Ph.D. de Eugene Fama, professor na Universidade de Chicago, no início da década de 1960, a “Teoria dos Mercados Eficientes” (Efficient Market Hypothesis) ganhou crescente notoriedade e passou a vigorar como tese predominante até a década de 1990. Através de sua elevada beleza matemática e de seu precioso rigor acadêmico, esta teoria argumentava (e ainda o faz) que os preços dos ativos refletem tudo aquilo que se é conhecido sobre uma empresa, incluindo os prognósticos de performance futura, bem como do estado da economia. Consequentemente, não há ativos subvalorizados, na medida que analistas financeiros utilizar-se-iam de toda informação disponível para assegurar a perfeita arbitragem dos preços dos ativos com seus respectivos valores. Portanto, investidores que viessem a performar significativamente acima da média teriam suas performances justificadas através de puro comportamento estatístico.

 

Talvez a defesa mais clara e bem construída em relação à eficiência e ao predomínio de value investing tenha sido realizada por Warren Buffett na ocasião da palestra intitulada “The Superinvestors of Graham-and-Doddsville”. Esta palestra foi proferida por Buffett na escola de negócios da Universidade de Columbia (Columbia Business School) durante a comemoração do cinquentenário de publicação de “Security Analysis” em Maio de 1984.

 

Buffett inicia a palestra pedindo ao público que imagine um campeonato nacional de cara-ou-coroa (coin-flipping). Assumam, pediu Buffett, que na manhã seguinte, a população inteira dos Estados Unidos (na época em aproximadamente 225 milhões de pessoas) aposte um dólar e faça a moeda girar. Caso acerte a previsão, o jogador ganha um dólar; dólar este proveniente do jogador perdedor. O ganhador segue no campeonato e o perdedor é retirado. Para cada dia subsequente, o valor das apostas dobra na medida em que todos os ganhos anteriores necessitam ser alocados na nova rodada. Após dez (10) dias de torneio, haverá aproximadamente 220 mil pessoas nos Estados Unidos as quais acertaram 10 vezes seguidas o resultado do cara-ou-coroa. Cada um deles terá naquele momento um pouco mais de 1.000 dólares.

 

Segundo Buffett, este grupo começará provavelmente a tornar-se orgulhoso de seu feito. Nada mais inerente à natureza humana do que este comportamento. Eles podem até demonstrar humildade, porém em eventos sociais eles ocasionalmente admitirão para pessoas atraentes do sexo oposto que possuem uma técnica especial, além de outros insights incríveis que eles utilizam no campo do cara-ou-coroa.

 

Assumindo que os vencedores continuem a receber as recompensas a eles devidas pelos vencidos, dentro de dez (10) dias adicionais haverão 215 pessoas nos Estados Unidos que terão apostado de forma correta em vinte (20) jogadas consecutivas. Estes então terão acumulado um resultado financeiro um pouco superior a US$1 milhão. US$225 milhões terão sido perdidos e US$225 milhões terão sido ganhos ao longo dos 20 dias de torneio.

 

Neste momento, este reduzido grupo já estará realmente ensandecido. Eles irão provavelmente escrever livros intitulados “Como transformei $1dólar em US$1milhão em 20 dias trabalhando 30 segundos por manhã”. Ou pior, eles começarão a voar pelos Estados Unidos proferindo palestras sobre estratégia eficiente para jogos de cara-ou-coroa e responderão de forma grosseira a perguntas de acadêmicos, afirmando “como isto não pode ser feito se somos em 215 pessoas com estes atributos”.

 

No entanto, chegará o momento no qual um professor de uma escola de negócios será rude o suficiente para afirmar em público que um campeonato envolvendo 225 milhões de orangotangos traria exatamente o mesmo resultado, ou seja, 215 orangotangos egocêntricos com 20 vitórias consecutivas no jogo.

 

Buffett argumenta que existe uma possibilidade de obtermos uma interpretação diferente caso as seguintes condições fossem satisfeitas: (a) os orangotangos houvessem sido escolhidos através de uma distribuição similar àquela da população humana nos EUA; (b) 215 vencedores houvessem restado após 20 dias; e (c) notarmos que 40 destes (vencedores) vieram de um zoológico específico de Omaha. Aí, afirma Buffett, começaríamos a nos perguntar se há algo diferente ocorrendo. Possivelmente perguntaríamos ao zelador do zoológico acerca daquilo que os orangotangos teriam comido, se estes tivessem realizado algum treinamento físico específico, quais livros eles teriam lido e sabe-se lá mais o que. Ou seja, teríamos encontrado uma concentração realmente espantosa de sucesso e gostaríamos de tentar identificar características atípicas que podem ter sido os fatores geradores desta concentração.

 

Finalmente, Buffett aborda o tema principal da sua palestra ao conectar a estória recém-descrita com o grupo de investidores de elevada performance e o patriarca intelectual que este grupo possui em comum, Benjamin Graham. Os pupilos que deixaram a casa deste patriarca intelectual efetuaram suas jogadas de maneiras diferentes. Eles foram para locais distintos, compraram e venderam ações diferentes e, mesmo assim, possuem uma performance histórica que não pode ser simplesmente explicada através de aleatoriedade estatística. O patriarca meramente definiu o arcabouço intelectual para a tomada de decisões nas jogadas e definitivamente não esteve envolvido em cada jogada efetuada por seus pupilos individualmente.

 

Ao descrever o arcabouço intelectual transmitido por Benjamin Graham, Buffett aborda os conceitos de valor intrínseco, margem de segurança e análise fundamentalista. Cita também em sua palestra a grande importância de paciência e habilidade de se posicionar contra a maioria.

 

As definições e conceitos relacionados à value investing são muitos. Apresentaremos rapidamente os três conceitos recém- citados.

 

No manual do proprietário da Berkshire Hathaway (holding de investimentos de Warren Buffett), encontramos a mais simples e objetiva definição de valor intrínseco: “Trata-se do caixa que pode ser extraído de um negócio durante sua vida remanescente”. Warren Buffett continua: “o cálculo de valor intrínseco, no entanto, não é simples. Trata-se de uma estimativa e não um valor preciso. Além disso, deve ser tratado como algo dinâmico que pode ser alterado conforme variações da taxa de juros e/ou das estimativas de fluxo de caixa futuro.”

 

Apesar de exceder o escopo desta carta, vale ressaltar que o principal pilar sobre o qual se apoia o exercício de estimativa do valor intrínseco é a prática comumente denominada por valuation. Há um consenso no mundo das finanças que o valor de um ativo pode ser determinado através do desconto a valor presente da soma dos fluxos de caixa que o ativo produzirá para seus proprietários durante sua existência (note a similaridade desta definição com aquela fornecida por Buffett no parágrafo anterior).

 

Portanto, a comparação de determinado preço de um ativo com seu respectivo valor intrínseco nos permite a apresentação do também importante conceito de margem de segurança (margin of safety). Quanto maior for a margem de segurança na compra de um ativo, maior será a barganha realizada e menor será o risco de incorrermos em perdas permanentes de capital provenientes da operação. A estratégia de comprar ativos somente quando estes tenham seus preços significativamente inferiores aos seus respectivos valores intrínsecos tem produzido, para a vasta maioria dos value investors, retornos superiores àqueles disponibilizados para o mercado como um todo.

 

Em linha com a importância dos conceitos de valor intrínseco e margem de segurança, é imperativa a apresentação do conceito de análise fundamentalista.

 

Trata-se basicamente do estudo detalhado da empresa, do segmento no qual a mesma atua, da dinâmica competitiva entre os participantes do respectivo mercado e demais considerações que possibilitem a definição de hipóteses razoáveis para utilização nos modelos de valuation. Sem a presença de uma análise fundamentalista robusta, a probabilidade de estimarmos um valor intrínseco coerente para um determinado ativo é diminuta.

 

De forma resumida, uma análise fundamentalista bem realizada disponibiliza ao profissional que a conduz diretrizes importantes para o processo de valuation. O conhecimento do retorno sobre o capital empregado histórico da empresa (e também o retorno médio na indústria na qual a mesma atua) bem como a estimativa do custo médio de capital (incluindo o da indústria) permite ao analista calibrar o valor intrínseco estimado dentro de cenários coerentes com o histórico da empresa e da respectiva indústria. Este balizamento de valor permitido através da análise fundamentalista nos faz recordar da famosa máxima repetida por Buffett sobre valuation: “É melhor estar aproximadamente certo do que precisamente errado.”

 

Após muitos anos dedicados à prática de value investing e tendo conversado com inúmeros participantes do mercado financeiro, notamos a recorrência do questionamento quanto a efetividade da aplicação dos conceitos de value investing no mundo real de investimentos na comparação com demais formas de rentabilização de recursos. Apesar de existirem períodos durante os quais a popularidade de value investing é extremamente reduzida, gostamos de lembrar aos nossos contatos que value investing será sempre uma estratégia largamente criticada. A própria essência de value investing reside na sua natureza “contrarista”. Se você optar pela aquisição de um ativo no período em que a grande maioria dos demais investidores também o faz, a maior chance é que você venha a pagar um preço elevado pelo mesmo e não um preço condizente com uma barganha. A recíproca é verdadeira.

 

Na nossa análise, a grande vantagem da realização de investimentos com as diretrizes de value investing é o seu caráter auto-realizável. A famosa expressão “profecia auto-realizável” (self-fullfiling prophecy) é plenamente aplicável ao raciocínio que explica a maior performance de value investing vis-à-vis outras filosofias de investimento.

 

O fluxo de caixa projetado durante o exercício de valuation nada mais é do que a soma dos valores de caixa que serão acumulados na empresa, dos valores dos dividendos a servirem de remuneração aos acionistas da mesma ou ainda dos recursos utilizados para a recompra de ações por parte da empresa. Indubitavelmente temos que analisar o que a direção da companhia tem realizado historicamente com o excesso de caixa disponível. A afirmação acima pode não ser verdadeira no caso de, por exemplo, a diretoria da empresa possuir uma preferência por grandes e questionáveis aquisições ao invés de prudência na gestão do caixa.

 

No caso de ativos administrados de maneira razoavelmente inteligente e com alinhamento de interesses com os acionistas, trata-se de uma simples questão de tempo e paciência para que o preço de mercado do mesmo efetue a convergência com o seu valor intrínseco.

 

Informações Adicionais e Fontes do Artigo

Recomendamos a leitura dos seguintes documentos/artigos àqueles interessados em conhecer a filosofia de value investing em maior profundidade:

  • “Security Analysis”, escrito por Benjamin Graham e David Dodd
  • “The Intelligent Investor”, escrito por Benjamin Graham
  • Relatórios anuais da Berkshire Hathaway, escritos por Warren Buffett disponíveis através do site www.berkshirehathaway.com
  • “Value Investing - From Graham to Buffett and Beyond”, escrito por Bruce Greenwald
  • “The Little Book of Value Investing”, escrito por Christopher Browne
  • “Poor Charlie's Almanac”, discursos e pensamentos de Charlie Munger
  • “The Essays of Warren Buffett: Lessons for Corporate America”, artigos selcionados por Lawrence A. Cunningham;
  • “The Superinvestors of Graham-and-Doddsville”, escrito por Warren Buf

 

2. Investimento em Imóveis no Exterior

O interesse dos brasileiros por imóveis no exterior é crescente e o universo de investidores é cada vez mais amplo. A percepção em relação a imóveis fora do país mudou, passando a ser um investimento muito mais atrativo e viável. O número de brasileiros que investem no mercado imobiliário estrangeiro vem crescendo bastante, não só através da compra direta de imóveis como também por meio de veículos alternativos, específicos para investimentos no setor, como os Real Estate Investment Trusts (“REITs”). Podemos apontar dois principais fatores que influenciaram o atual otimismo e euforia dos brasileiros acerca dos investimentos imobiliários em outros países.

 

Primeiramente, citamos o aspecto absoluto dos preços dos imóveis. A crise de 2008 fez com que o valor dos imóveis em diversos países considerados ricos - notadamente EUA e países europeus - sofressem fortes desvalorizações, além de ter gerado um aumento nas taxas de vacância. Vale destacar que o comportamento do mercado norte-americano foi muito diferente dependendo da região e do tipo de imóvel.

 

O segundo fator é um aspecto relativo. O investidor brasileiro observou seu poder de compra aumentar em função da apreciação do real. Além disso, com o aumento da renda média do brasileiro e a expansão de crédito imobiliário no país, as opções de compra e taxas de vacância dos imóveis estão extremamente baixas, e por isso os preços seguem em tendência de alta. Nos últimos 12 meses encerrados em maio deste ano, estima-se que os preços dos imóveis residenciais no país subiram cerca de 25%, e em casos específicos os números são ainda mais surpreendentes, como no Rio de Janeiro, em que a alta chegou a aproximadamente 44%, conforme pesquisa realizada pelo JPMorgan Chase & Co.. Estudos da ECA International indicam que São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília, em termos gerais, são mais caras do que qualquer cidade dos EUA. Além da imensa discrepância entre valores, os imóveis estrangeiros são mais atraentes que os nacionais também no que se refere ao financiamento, com prazos mais longos e taxas mais baixas, especialmente para quem pode comprar à vista.

 

No entanto, para comprar um imóvel no exterior, não basta simplesmente desembolsar o valor e assinar a escritura. É preciso realizar um extenso, minucioso e abrangente estudo prévio, com o objetivo de se montar a melhor estrutura para a aquisição, o que não segue uma regra geral. Dentre os principais aspectos a serem considerados, destacam-se as implicações legais, notadamente tributárias e sucessórias, além dos custos de manutenção do imóvel.

 

A principal avaliação a ser feita diz respeito aos aspectos legais, uma vez que as legislações dos países - e dos estados e municípios dentro deles - são muito discrepantes entre si, tanto no que tange à incidência de tributos como no que concerne à transferência em vida ou causa mortis. As regras diferem de acordo com algumas variáveis, principalmente a natureza (se pessoa física ou jurídica) e nacionalidade do comprador.

 

Para comprar imóveis nos EUA, há pelo menos quatro principais estruturas que merecem ser estudadas: (i) aquisição diretamente

 

pela pessoa física; (ii) constituição de uma empresa nos EUA para adquirir o imóvel; (iii) compra do imóvel através de uma empresa estrangeira; e (iv) aquisição do imóvel através de uma empresa americana, cujas cotas pertençam integralmente a uma empresa estrangeira.

 

Operacionalmente, a opção mais simples é comprar o imóvel diretamente através da pessoa física do interessado, situação em que o comprador será tratado de acordo com as normas pertinentes às pessoas físicas estrangeiras, havendo tratamento tributário específico, com a incidência do Foreign Investment in Real Property Tax (“FIRPTA”) na alienação dos bens imóveis, por exemplo. Além disso, a responsabilidade do proprietário do imóvel será ilimitada, uma vez que a limitação da responsabilidade só é conferida às sociedades. Sobre o sigilo, que muita vezes é uma preocupação do investidor, é importante ressaltar que o comprador pessoa física deverá prestar contas e informações ao governo norte-americano.

 

Uma desvantagem dessa estrutura é o fato de que, no Brasil, as pessoas físicas que recebem rendimentos de fontes provenientes do exterior devem recolher o Imposto de Renda mensalmente através do carnê-leão. Sendo assim, se o objetivo do comprador é obter renda através da locação do imóvel no exterior, os rendimentos recebidos a tal título deverão ter o imposto de renda recolhido obrigatoriamente todo mês.

 

Outra possibilidade é adquirir o imóvel através de uma empresa estrangeira, caso em que a responsabilidade da pessoa física será limitada ao valor das cotas da empresa. Uma grande vantagem de se criar uma empresa não americana para adquirir imóveis lá localizados é o fato de que, como suas quotas são juridicamente consideradas bens estrangeiros, uma vez que representam uma empresa constituída em país diverso, a transferência das mesmas não se submete aos procedimentos legais norte-americanos, podendo o investidor escolher a jurisdição cujos tratamentos sucessório e tributário melhor lhe convenham. Em outras palavras, a titularidade do imóvel não muda, pois continua sendo de propriedade da empresa, sendo certo que apenas as quotas da mesma sofrem transferência de titularidade. Deve-se ter em mente que o acionista que detiver parcela relevante do capital social da empresa poderá ser chamado a fornecer suas informações pessoais para fins de US Tax return.

 

Outra opção é a constituição de uma empresa nos EUA (preferencialmente limited liability company - LLC), situação na qual o investidor também gozará da limitação de responsabilidade conferida pela pessoa jurídica. Neste caso também deve-se ter em mente que, a exemplo do que ocorre na estrutura anterior, o acionista que detiver parcela relevante do capital social da empresa poderá ser chamado a fornecer suas informações pessoais para fins de US Tax return.

 

Há, ainda, a opção de se constituir uma empresa nos EUA (preferencialmente uma LLC), que terá todas as suas quotas detidas por uma empresa estrangeira. Haverá retenção na fonte sobre a distribuição de dividendos à empresa estrangeira, o que não é um problema caso a estrutura seja montada somente para a aquisição do imóvel, sem que haja pretensões de utilização comercial do mesmo. Além disso, importante ressaltar que não há incidência do FIRPTA, uma vez que o imóvel é de propriedade de uma empresa doméstica.

 

Na análise da melhor estrutura, além da tributação federal, deve-se considerar os tributos estaduais e municipais. Importante ressaltar que, no caso especifico dos EUA, como o sistema federalista norte-americano confere muita autonomia aos estados no que concerne ao poder de legislar, questões regulatórias, tributárias e sucessórias podem variar muito a depender do estado. Por isso, não há uma estrutura que possa ser considerada genericamente como a melhor, sendo certo que este juízo de valor deve ser realizado caso a caso.

 

A titulo exemplificativo, citamos o caso específico de Nova Iorque. Alguns dos tributos geralmente incidentes na transferência de um imóvel, nos âmbitos estadual e municipal, são: (i) Mansion Tax, incidente sobre imóveis de valor superior a determinada margem indicada pelo legislador; (ii) New York State Real Estate Transfer Tax, incidente sobre o valor da transferência sempre que a mesma exceder um valor mínimo indicado por lei; (iii) New York City Real Property Transfer Tax, incidente sempre que a transferência for superior a determinada quantia indicada pelo legislador, e que varia de acordo com a natureza e valor do bem. No caso de imóveis residenciais, por exemplo, atualmente o tributo incide sob alíquotas diferentes a depender do valor dos mesmos; (iv) Mortgage Recording Tax, incidente caso o comprador realize empréstimo imobiliário, cuja alíquota varia a depender do valor do mesmo.

 

Nos EUA, importante citar ainda que alguns estados possuem duas espécies distintas de empreendimentos, os co-ops e os condominiums, assim entendidos estes últimos como condomínios tradicionais, sendo certo que cada estrutura possui peculiaridades e custos específicos. Nos primeiros, o morador compra “quotas” do edifício, que é organizado como se fosse uma corporação - quanto maior o apartamento, mais quotas são necessárias. Já os segundos representam a tradicional figura do condomínio, em que o proprietário adquire seu imóvel particular, sem comprar quotas de uma cooperativa ou algo semelhante. Os co-ops estão presentes em larga escala principalmente em Nova Iorque, sendo o sistema utilizado por cerca de 75% dos apartamentos existentes na parte nobre de Manhattan.

 

Outra relevante diferença a ser observada entre os co-ops e condomínios tradicionais diz respeito ao número de normas e exigências existente em cada modalidade. Nos co-ops, organizados sob a forma de cooperativas, há uma espécie de conselho de moradores do prédio, ao qual é concedido grande poder para deliberar sobre os mais diversos assuntos, desde aprovação dos novos moradores do prédio até normas atinentes à pintura interna do apartamento dos moradores.

 

Apesar de essa alta ingerência ser uma característica tradicionalmente verificada nos co-ops, os condomínios tradicionais cada vez mais estão criando regras, normas procedimentais e padronizações parecidas com aquelas exigidas pelos co-ops. Por isso, no caso concreto, deve-se analisar atentamente quais as limitações e obrigações impostas pelo condomínio ou co-op no qual se pretende comprar um apartamento, com o intuito de averiguar se alguma das exigências ou obrigações tornaria a aquisição desvantajosa ou até mesmo inviável.

 

Além da compra direta de imóveis, há também outras possibilidades para quem deseja se beneficiar do atual momento do mercado imobiliário nos EUA. Uma das formas mais diretas e líquidas de se investir em imóveis no país é através dos REITs, empresas voltadas a investir majoritariamente em imóveis, e que, em se enquadrando em certas características, possuem benefícios fiscais. Os REITs possuem características similares aos fundos imobiliários brasileiros, como por exemplo, a necessidade de distribuir 90% do resultado aos investidores, ter pelo menos 100 acionistas e que 50% das ações não estejam concentradas em apenas cinco pessoas. O mercado de REITs nos EUA já existe há mais de 50 anos e é um mercado extremamente líquido. O valor de mercado dos REITs listados na bolsa de Nova Iorque é de U$400 bilhões, são quase 200 empresas, onde o investidor tem a possibilidade de investir em companhias focadas em regiões e em tipos de imóveis específicos, como por exemplo, empresas focadas em imóveis residenciais ou corporativos. Vale ressaltar que a tributação sobre dividendos aplicável ao investidor estrangeiro (não americano) que investe nos REITs terá alíquota de até 35%.

 

Por fim, deve-se observar que a aquisição de ativos no exterior (aqui englobados os imóveis e cotas de empresas) acarreta também em obrigações internas perante o fisco. Quem tiver domicílio fiscal no Brasil precisa declarar qualquer bem que possua no exterior. Se o investidor comprar diretamente o bem, e a operação for realizada em reais, na declaração dever-se-á informar o valor em dólares convertido pelo preço de venda do dólar comercial do dia. Esse valor será reproduzido nas próximas declarações, até o momento em que o bem for alienado, quando deverá ser realizada nova conversão e apurado o imposto a pagar, se houver lucro em reais.

 

Além disso, deve-se atentar que toda pessoa física ou jurídica deve declarar ao Banco Central do Brasil os bens e valores que possui no exterior, podendo ser exigida ainda a justificação dos recursos empregados na sua aquisição. Trata-se de obrigação criada durante o regime militar, através do Decreto-Lei n.º 1.060, de 21.10.1969, decretado com fundamento nos Atos Institucionais n.ºs 5 e 16 e assinado pelos Ministros da Marinha de Guerra, do Exército e da Aeronáutica Militar à época. Atualmente, o assunto também é disciplinado pela Resolução n.º 3.854, expedida em 27.05.2010 pelo Conselho Monetário Nacional.

 

Referências: (i) HERRMANN, Richard L. Planning for Foreign Investment in U.S. Real Estate. March, 2008; (ii) U.S. Internal Revenue Service United States Department of the Treasury; (iii) New York State Department of Taxation and Finance; (iv) New York City Department of Finance; (v) U.S. National Conference of State Legislatures - NCSL; (vi) Receita Federal do Brasil.

 

 

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